De uma Igreja-massa a uma
Igreja-comunidade. Agenor Brighenti
9 de fevereiro de 2018 por Leoni Alves
Garcia.
Em que
o Vaticano II mudou a Igreja
Para Medellín,
não é a paróquia a unidade eclesial mais básica, mas as CEBs, denominada a
“célula inicial da estruturação eclesial”. Para Aparecida, as CEBs
descentralizam e articulam as ‘grandes comunidades’ impessoais ou massivas em
ambientes simples e vitais. Elas fonte e semente de variados serviços e
ministérios, a favor da vida, na sociedade e na Igreja” (DAp 179).
Em sua
“volta às fontes” bíblicas e patrísticas, uma das grandes mudanças do
Vaticano II foi o resgate de uma “Igreja-comunidade’ e a consequente superação
do velho e caduco modelo de uma “Igreja-massa”.
Da nova
auto-compreensão da Igreja como Povo de Deus, veio a passagem do binômio
clero-leigos para comunidade-ministérios, o surgimento da pastoral orgânica e
de conjunto, a criação dos secretariados diocesanos de pastoral, dos conselhos
e assembleias, das equipes de coordenação dos diferentes serviços e níveis da
Igreja, enfim, os planos de pastoral, fruto de processos participativos. Na
América Latina, a Igreja foi mais longe na recepção da renovação conciliar.
Superando a paróquia tradicional, lançou-se na criação das comunidades
eclesiais de base, segundo Medellín (1968), “focos de
evangelização e célula inicial da estruturação eclesial” (Med 6,1).
Hoje,
passados cinquenta anos, depois de se ter avançado bastante, nas últimas
décadas entramos num processo de “involução eclesial” em relação à
renovação do Vaticano II, ainda que recentemente atenuado com instauração de um
pontificado novo.Muitos padres, com determinados movimentos de Igreja, têm
ressuscitado a velha Igreja barroca: uma Igreja massa, visibilidade, prestígio
e poder. Na contra-mão do modelo eclesial neotestamentário, em lugar de
multiplicar o número das pequenas comunidades, preferem aumentar o tamanho de
seus templos.
Da Igreja
doméstica às paróquias massivas
Os primeiros
cristãos haviam entendido muito bem que a fé cristã é “eclesial”, isto é,
vivência em comunidade da vida e obra de Jesus, que é o Reino de Deus. Quem
aderia a Jesus e à Boa Nova, se juntava com os companheiros de fé, conformando
pequenas comunidades, que se reuniam nas casas – a domus ecclesiae –
ou a “Igreja doméstica”. Os primeiros cristãos viviam a fé em pequenas
comunidades não porque eram poucos. Tanto que quando o número de pessoas da
comunidade crescia, em lugar de aumentar o tamanho da casa, repartiam a grande
comunidade, criando outras pequenas comunidades. No final de era
apostólica, só em Roma, havia mais de quarenta destas Igrejas
pequena-comunidade.
Como
atestam os Atos dos Apóstolos, as pequenas comunidades permitiam aos cristãos
serem assíduos na oração e partilha, tendo tudo em comum. Não que as primeiras
comunidades não tivessem defeitos e problemas. Mas, foi por causa deste
modelo de Igreja que, neste tempo, tivemos um cristianismo da mais alta
qualidade. A prática da caridade causava admiração até ao Imperador.
As escolas de catecumenato geravam cristãos convertidos, com espírito de
pertença e profetismo. E o sangue dos mártires era semente de novos cristãos
(Tertuliano).
Com a
anexação do cristianismo à sorte do Império romano e as “conversões” em massa,
rapidamente, já no século V, praticamente se perdeu tudo isso. As
pequenas comunidades incharam de cristãos não-convertidos. Da Igreja
nas casas, se passa para as paróquias, grandes templos, nos quais a assembleia
dos irmãos vira massa anônima. Os fiéis, antes membros ativos de
comunidades, passam a ser clientes que só vêm à Igreja para receber os
sacramentos. A maioria dos ministérios, inclusive o diaconato, desapareceu. A
Igreja passa a ser os bispos e os padres, que comandam a massa dos cristãos
(cristandade). A vida cristã tende a se restringir ao espaço intra-eclesial, a
atos de culto. É a denominada por Medellín, “pastoral de
conservação”, que reinará do início da Idade Média até à renovação do Vaticano
II.
Da
paróquia a uma Igreja de pequenas comunidades
Para uma
Igreja-comunidade, o Vaticano II propõe renovar a paróquia. A Igreja na América
Latina foi mais ousada, assumiu o desafio de reconfigurá-la, a partir das
comunidades eclesiais de base. Toma-se consciência que a Igreja só será
verdadeiramente comunidade, se for comunidade de pequenas comunidades. Uma
comunidade eclesial, para ser realmente comunidade, precisa ter tamanho humano,
condição para a ministerialidade e a corresponsabilidade de todos.
Para Medellín,
não é a paróquia a unidade eclesial mais básica, mas as CEBs, denominada a
“célula inicial da estruturação eclesial”. Para Aparecida, as CEBs descentralizam e
articulam as ‘grandes comunidades’ impessoais ou massivas em ambientes simples
e vitais. Elas fonte e semente de variados serviços e ministérios, a favor da
vida, na sociedade e na Igreja” (DAp 179).
Consequentemente,
o desafio é muito maior do que simplesmente “renovar a paróquia”. Renovar a
paróquia é partir dela, criando “grupos” dentro da matriz e das capelas), sem
que se chegue a configurar uma Igreja-rede de pequenas comunidades. Grupos e
movimentos não são comunidade, são grupos. Podem e até precisam existir, mas
desde que seus membros estejam dentro da comunidade. Na realidade, o
verdadeiro desafio consiste em “reconfigurar a paróquia”, o que implica em
repensá-la a partir das comunidades eclesiais de base ou das pequenas
comunidades, inseridas profeticamente no seio da sociedade. O
resultado deste processo, até pode continuar sendo chamado de “paróquia”, mas
será outra coisa totalmente distinta, uma reconfiguração da Igreja no seio da
Igreja Local, fruto do resgate do modelo normativo neotestamentário da domus
ecclesia. Numa sociedade fundada no “triunfo do indivíduo solitário”, não
se trata de uma tarefa fácil. O Papa Francisco, em Evangelii Gaudium, fala
de uma “crise do compromisso comunitário”, algo contra-cultural, que encontra
resistência, quase generalizada. Entretanto, o cristianismo é portador de uma
diferença, que precisa fazer diferença.
Por: Agenor Brighenti
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