2019: ESPERAR OU ESPERANÇAR?
José Neivaldo de Souza
“Não é a vida mais importante que a comida, e o corpo mais importante que a roupa? (…) Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã trará as suas próprias preocupações. Basta a cada dia o seu próprio mal.” (Mt 6,25; 34).
Final de ano é tempo de festa, mas também de reflexão. Festa porque há o sentimento de que estamos fechando um ciclo; a vida é feita de ciclos, em todos os sentidos, físicos, psíquicos e espirituais. É tempo de reflexão porque há uma tendência de esperar que o novo tempo nos traga saúde, segurança, riqueza e amor. É sobre esta esperança que devemos refletir.
Sêneca, no século I, em uma de suas cartas ao amigo Lucílio, escreveu sobre a futilidade de planejar a vida. Não sou estoico o bastante para me desfazer do futuro, mas concordo que geralmente as decisões impensadas, as escolhas atordoadas, as convicções mais fundamentalistas, estão ligadas ao “desespero” em relação ao futuro e não à esperança. Para o filósofo, o futuro é incerto, mesmo para os mais felizes! Ninguém deveria fazer promessas ou indagar sobre o que está por vir. Vi pessoas, insatisfeitas com o tempo presente, renunciando aos direitos que garantem mais qualidade de vida em favor de promessas que talvez nem se cumpram. Promessa de comida? De bebida? De segurança? De saúde? Sêneca aconselha a fugir deste desespero. A vida não pode ser uma “aposta” no futuro incerto, mas um investimento cujo foco é a vida presente.
A reinvenção da vida, se postergada ao futuro, cria insatisfação consigo mesmo, ódio ao outro e temor da realidade. A tranquilidade da alma está em viver cada dia, todos os dias da vida, como um grande presente e não como uma preocupação atordoante que nos faz perder o equilíbrio e a alegria.
Jesus, o Cristo, havia ensinado a distinguir esperança de espera, mas as interpretações da fé, ligadas ao poder e à riqueza, fizeram com que líderes cristãos distorcessem a mensagem e desviassem os fiéis em favor dos próprios interesses. O profeta Ezequiel, antes de Cristo, foi a voz denunciando esta situação: “Eu, o Senhor Deus, declaro que estou contra vocês. Tirarei de vocês as minhas ovelhas e não deixarei que vocês sejam os seus pastores. E não deixarei que continuem a ser pastores que só cuidam dos seus próprios interesses. Livrarei as minhas ovelhas do poder de vocês para que vocês não possam devorá-las” (Ez 34,10).
Voltar ao evangelho é uma forma de reinterpretar as palavras do Mestre na perspectiva da esperança, da vida: “Portanto eu lhes digo: não se preocupem com sua própria vida, quanto ao que comer ou beber; nem com seu próprio corpo, quanto ao que vestir. Não é a vida mais importante que a comida, e o corpo mais importante que a roupa? (…) Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã trará as suas próprias preocupações. Basta a cada dia o seu próprio mal.” (Mt 6,25; 34).
O esperar remete-se ao tempo cronológico que, geralmente está voltado ao futuro e suas desilusões. A esperança, pelo contrário, diz respeito à vida e ao tempo que se chama “agora”. Cecilia Meireles diz que, esta lição, aprendeu com a primavera: deixar-se cortar para que a vida seja refeita. Friedrich Nietzsche aprendeu com o fogo: É preciso se deixar queimar pelas chamas para renascer das cinzas. Jesus aprendeu com os pássaros, os lírios do campo e as crianças. Eles simplesmente brincam. Os pássaros não acumulam para o amanhã; os lírios não estão preocupados em se abrigar; as crianças simplesmente brincam. Rubem Alves dizia que “os homens perderam o Paraíso quando deixaram de ser crianças brincantes e se tornaram adultos trabalhantes”. Viver pela espera não é o mesmo que viver pela esperança.
Fonte: Ameríndia
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