A MISSÃO NO EVANGELHO DE MATEUS



A MISSÃO NO EVANGELHO DE MATEUS 

SÍMBOLO DOS EVANGELISTAS

Introdução

Com muita probabilidade os destinatários de Mt são prevalentemente de origem judeu-cristã pelos seguintes motivos: 

1. Mt insiste a respeito do cumprimento das Escrituras; 

2. Jesus é apresentado como “novo Moisés” sendo portanto fiel à Lei mosaica; 

3. Mt omite a explicação de usos e costumes judaicos; 

4. as discussões entre Jesus e seus adversários estão baseadas em modelos rabínicos. 

Entretanto é possível notar uma tensão constante na comunidade de Mt. Existe uma preocupação interna: a atividade de Jesus e de seus discípulos se limita a Israel; sublinha a validade da Lei mosaica e a necessidade da justiça, o cumprimento das promessas messiânicas, etc. Ao lado dessa preocupação existe também uma exigência de abertura aos gentios, para superar as barreiras culturais e religiosas do judaísmo: reivindica a autenticidade da herança judaica em contraste com o judaísmo farisaico, de maneira muito dura. 

Dentro desse horizonte complexo e diversificado é possível notar também uma dupla visão do processo da história da salvação que pode iluminar a questão da missão. 

1. Antes de tudo Mt apresenta o tempo da Lei e dos profetas culminando em Jesus que proclama e inaugura o Reino de Deus. Desde o começo, Mt assinala o cumprimento das antigas profecias (1,22s; 2,5s; 2, 15.17-18.23) mas deixa claro que o ministério de João Batista marca a transição definitiva entre AT e a pessoa de Jesus (cf 11,12-13). Além disso o início da atividade de Jesus anunciando o Reino (4,7) cumpre as Escrituras (4,14- 16) e mostra que o Reino está em ação (11,2-6; 12,28). Sob este mesmo ponto de vista, a série de 10 milagres (cap. 8-9) tem a função de mostrar que Jesus cumpre concretamente a sua missão messiânica. No entanto o desfecho da atividade de Jesus, a morte – ressurreição, está marcado por sinais escatológicos que acompanham o evento: o terremoto é sinal do julgamento divino (cf Am 8,9; Jl 3,16 : “o dia de Yhwh”) e a abertura dos túmulos e a ressurreição dos “justos” do AT é sinal da era escatológica (Ez 37,11-14; Is 26,19; Dn 12,2). Em resumo: assim como no AT os profetas cumpriam a missão tendo como destinatário o povo de Israel, também Jesus realiza as promessas proféticas cumprindo a sua missão de proclamar e inaugurar o Reino no horizonte do povo de Israel. 

2. Mt apresenta o tempo da pregação messiânica da Igreja na perspectiva da plenitude 

do Reino. É verdade que os sinais apontam para era escatológica, mas o fim ainda não veio, ele virá quando “o Filho do Homem vier em sua glória” (16,27-28; 25,31). Antes disso existe o tempo da pregação messiânica, a qual deve enfrentar muitas dificuldades: falsos messias. Conflitos e guerras, calamidades naturais, perseguições, desistências, etc. Durante esse tempo “a boa nova do Reino será proclamada a todas as nações, e então chegará o fim” (24,4-14). Além do mais esta perspectiva está presente em 4 parábolas exclusivas de Mt: a parábola do trigo e do joio (13,24-30.37-43), da rede (13,47-50) das virgens sábias e insensatas (25,1-13) e das ovelhas e cabritos (25,31- 46). No tempo da pregação da Igreja, a missão de Jesus continua através dos seus discípulos, mas se destina a todas as nações, até quando vier o Reino definitivo. 


A missão de Jesus 

Uma das preocupações de Mt é estabelecer um elo de ligação entre a pregação profética do AT e a missão de Jesus. Só ele cita explicitamente o AT mediante a ‘fórmula de cumprimento’ (11 vezes); mostra que João Batista é ‘o último e maior’ dos profetas (11,9-13) na qualidade de arauto que ‘prepara o caminho do Senhor’ (3,3;11,10; cf Mc 1,2-3; Lc 3,4-6; 7,27). Como na missão profética, quem envia é o Pai: ele precisa de ‘operários’ (9,37-38) para ‘enviá-los’ em missão: João B.(11,10) Jesus (10,40), profetas (23,37). Naturalmente o enviado por excelência é Jesus. É interessante notar que desde o início do Evangelho (1,1), Mt apresenta 3 títulos significativos que estão diretamente ligados à missão: 

1. Jesus (= Yhwh salva) Cristo (= ungido): os 2 nomes se relacionam com a missão, com efeito 1,21 afirma: Ele (Jesus) salvará o seu povo; e 11,2-3 define Cristo como aquele que deve vir. Para os leitores de Mt o “ungido” /Messias – Cristo, é um enviado de Deus para cumprir as promessas. 

2. Filho de Davi: mostra não somente a descendência (cf 1,20: José) mas a missão. De fato no episódio da entrada em Jerusalém Jesus por 2 vezes é invocado como “Filho de Davi” (21, 0.15) a partir do pano de fundo de Is 62,11 e Zac 9,9: textos que frisam claramente a dimensão da realeza: Jesus é então o “rei” que tem a missão de manifestar o Reino. 

3. Filho de Abraão: só aqui esse título é aplicado a Jesus, e lembra Gn 12,1-4 quando Abraão é chamado para se tornar “pai de Israel” (3,8-9) e para ser uma bênção para todas as famílias da terra. Em Jesus o povo de Israel e as nações encontram um ponto essencial de convergência. 

Evidentemente outros títulos podem apresentar as mesmas características (Emanuel:1,23; Servo:12,15) ou revelar a identidade de Jesus (Senhor:7,21s;8,21; etc.) ou mostrar o relacionamento com o Pai (3,17; 4,3; etc.; no total 9 vezes como em Jo). 

A missão de Jesus consiste em “salvar o seu povo dos seus pecados” (1,21): perdoa os pecados porque veio chamar os pecadores (9,1-9.13). A expressão “seu povo” indica o destinatário de sua missão: trata-se de Israel, pois 10,5-6 e 15,24 confirmam essa indicação, mas não pode ser entendida de forma exclusiva. Tanto é verdade que a menção de 4 mulheres na genealogia (1,3-6) assinala que o “o seu povo” inclui pessoas que não pertencem ao povo judeu (cf Raab e Rute). A narração da visita dos Magos (2,1-12) evidencia o contraste entre a acolhida dos pagãos e a hostilidade dos líderes judeus. Ao longo do evangelho o horizonte se amplia, pois Jesus mostra “compaixão” pelos excluídos e liberta e cura os mais necessitados, sejam eles judeus ou pagãos (8,5- 13.28-34). 

Sumariamente, a missão de Jesus consiste em ensinar nas suas sinagogas; proclamar o evangelho do reino; curar todo tipo de doença (4,23; 9,35), cujo resultado é a inauguração da Nova Aliança do reino para a remissão dos pecados (cf as parábolas do reino: 13,14-50). A narração da última Ceia de Mt é a única que inclui a expressão “pelo perdão dos pecados” (26,28). 


A missão dos discípulos 

A parte final de Mt apresenta Jesus ressuscitado, revestido de toda autoridade que envia seus discípulos. Mt 28,16-20 é um texto que pertence à redação do evangelista, o qual quer fundamentar a sua mensagem a partir de modelos bíblicos conhecidos pela sua comunidade. 

a) Mt provavelmente se inspira no “decreto de Ciro rei da Pérsia” (2Cron 36,23). Isso não deixa de ter sentido porque Mt inicia o seu evangelho falando de “origem” (1,1) e o conclui se referindo ao último versículo da Bíblia hebraica: dessa forma ele indica que a história de Jesus leva ao cumprimento toda a história do povo de Deus. 

b) Nessa última parte do evangelho estão concentrados os grandes temas apresentados anteriormente. Diante da tensão entre cristãos de origem judaica que querem se dirigir unicamente às “ovelhas perdidas da casa de Israel” e os outros de horizontes mais abertos, a solução proposta pode ser esta: fazer discípulos todos os povos (sem distinção); introduzi-los na comunidade mediante o batismo; ensinando-lhes tudo o que Jesus ensinou (vv. 19-20): este seria o programa da missão da igreja. 

Os discípulos recebem esta missão, porque para isso foram chamados desde o começo (4,19). Nessa perspectiva Mt apresenta 5 discursos em que Jesus dá a seus discípulos as instruções necessárias: o sermão da montanha (5,1-7,29); o discurso missionário (10,1-11,1); o discurso em parábolas (13,1-53);o discurso comunitário (18,1-19,2); discurso escatológico (24,4-25,46). Todo esse ensinamento de Jesus tem como ponto central o Reino, e tem como finalidade à preparação para a missão, por isso Jesus entrega as “chaves do reino” a Pedro, representante de todos os discípulos (16,17-19) 

Sumariamente, a missão dos discípulos pode ser caracterizada pelas 4 condições oferecidas na parte final do sermão da montanha: 1. Entrar pela porta estreita (7,13- 14); 2. Produzir bons frutos (7,15-20); 3. Cumprir a vontade do Pai (7,21-23); 4. Por em prática as palavras de Jesus (7,24-27). 

Todavia a expressão “Fazei discípulas todas as nações” (28,19) é exclusiva de MT (Ocorre só 4 vezes no NT: Mt 13,52; 27,57; 28,19; At 14,21). A imagem do Mestre que ensina os seus discípulos, freqüentemente usada ao longo do evangelho, quer evidenciar a continuidade entre a missão de Jesus e a missão dos discípulos. Em torno desse único imperativo aparecem outros três compromissos: 

1. “andando”: indica a condição de itinerância que Jesus já apresentou no discurso missionário (10,1-42); 

2. “batizando”: esta atividade estava limitada à figura de João Batista. Agora o batismo em nome da Trindade tem a função de introduzir os novos adeptos na comunidade cristã; 

3. “ensinando”: atividade decorrente da missão de Jesus, tem como conteúdo a sua Palavra “para cumprir tudo aquilo que vos ordenei”. Trata-se de ensinar os outros a como serem membros da comunidade do Reino. 

Enfim a missão tem um alcance universal (todas as nações) e evoca o começo do evangelho onde a mesma perspectiva está presente em Jesus chamado de “filho de Abraão” (1,1), na genealogia (1,3-6) onde há pessoas que não pertencem ao judaísmo, e nos Magos, pagãos que visitam o Messias (2,1-12). Além disso a expressão “fim do mundo” (ocorre só 5 vezes: 13, 39.40.49; 24,3; 28,20) indica que a missão dos discípulos continua até a vinda definitiva do Reino. Na mesma direção vai a promessa “estarei convosco” que evoca o título “Emanuel” (1,23), e o termo “Galiléia” (28,16) que lembra o início do ministério de Jesus (4,15: Galiléia dos gentios!). 

Em resumo a missão de Jesus terminou, mas ele continua presente naquela dos discípulos.

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