AS PESSOAS PRECISAM DE CONSOLAÇÃO DESDE QUE SABEM QUE HÃO DE MORRER Sobre a natureza como fonte importante de consolação[1]
Já faz um bom tempo que nos debates sobre as consequências da mudança climática circula um conceito estranho – uma nova palavra criada: solastalgia, que significa “sofrer pela falta de consolação”. A palavra é composta pelo latim “solacium“ (consolação) e a raiz grega “algia“ (dor, sofrimento). O filósofo natural australiano Glenn Albrecht marcou este conceito que quer dizer: sofrer por causa da desconsolação de um lugar, ou por causa do tornar-se-inabitável de um ambiente. Neste caso domina a sensação de uma perda grave, por que o habitat conhecido está exposto a sérias mudanças negativas ou até a uma destruição expansiva e permanente. Naturalmente, também a guerra e o terror fazem parte deste tipo de destruição.
Em contraste à nostalgia que é a saudade de um mundo do passado e definitivamente perdido, a solastalgia direciona sua atenção principalmente ao momento presente: a decadência crescente dos fundamentos da existência natural, o sombrio que paira sobre o futuro enquanto espaço de sobrevivência. Secas e incêndios, enchentes e furações desastrosos, terremotos e erupções de vulcões, assim como guerra e terror são as causalidades clássicas de experiências traumáticas de perda e que podem desencadear efeitos solastálgicos. Porém, hoje é principalmente a destruição antropogênica da natureza – o terror praticado pelo homem contra a natureza – por causa da qual aumenta o “sofrimento pela falta de consolação”.
Viajamos por regiões em carros e trens climatizados olhando as paisagens secas ou inundadas, os campos desertos e as roças danificadas, as florestas gravemente doentes, as geleiras em desaparecimento. De avião sobrevoamos regiões inteiras que estão próximas ao colapso ecológico imaginando nossa chegada – ignorando friamente a situação real – num lugar turístico onde mergulhamos por um instante num mundo ilusório. Porém, a natureza era e é uma das fontes mais importantes de consolação. Por muito tempo a capacidade consoladora da natureza parecia inesgotável. Não é possível responder, como as pessoas experimentam a consolação através da natureza e o que ela consegue consolar. Não há respostas amplamente válidas para essas questões. Por outro lado, não há dúvida que a natureza é uma instância reconhecida de consolação. Porém, não é toda a natureza que consegue consolar.
A natureza em modo de destruição não doa consolação, pelo contrário. Ela aumenta nossa necessidade de consolação e suscita a sensação de estar com o coração partido. Para que a natureza nos console, não pode faltar uma impressão de integridade, um vislumbrar de “algo-que-é-providenciado”. É sobretudo a ordem contida nas estações a qual nos comove. O fato de que a natureza é um recipiente de um “sistema-cósmico” repetitivo, nos fascina...e acalma. Não é à toa que durante séculos as estações eram a mais importante metáfora a qual as pessoas retomaram para interpretar seu próprio ciclo de vida.
Existia uma ordem independente de nós e cujo padrão prometeu ser um manual para a própria vida. Este manual sussurrava aos nossos ouvidos que há um “indo-e-vindo” não-repetível, um amadurecimento e um recuo, um florescer e um murchar. Existe algo maior, algo imemorialmente mais antigo e duradouro do que nós, cujos movimentos e processos não estão sujeitos aos ditames humanos. Sob condições antropocenas[2] essa constelação começa a desaparecer, o ritmo da natureza parece estar infectado, sua independência teleológica (em vista de sua finalidade) foi corrompida por nós. A natureza está fora do eixo. Como doadora de consolação ela sempre mais faz parte do passado, pois seu respectivo potencial sofre de esgotamento.
A consolação pode brotar por centenas de ocasiões. Suas fontes são diversas: a natureza, as coisas, a música, a pessoa humana. Todas essas fontes são aptas para o revestimento das dores e para desviar “o sofrimento por causa do sofrimento”. A natureza é maior do que nós e ela doa muita consolação. Mas, temos que supor que seu aspecto físico não cause dores de alma e “sofrimento pela falta de consolação”. Envolvida pela natureza, a nossa alma se estende – quando ainda estava presa em seu próprio sofrimento por se limitar na sua fixação – nos ritmos dos mares, na atmosfera amável e cheirosa da floresta, na vastidão de uma paisagem montanhosa amigável. Por um momento nos sentirmos abrigados.
Perguntas para reflexão pessoal ou comunitária:
1. O autor pressupõe as paisagens naturais na Europa que são diferentes das nossas tropicais. Quais os momentos e paisagens da natureza que proporcionam encantamento pra você?
2. Você sofre com a destruição do meio ambiente/da natureza perto de seu habitat ou de forma global?
3. Você concorda: sem natureza em pé não há consolação?
4. Está errado ou certo afirmar que a solastalgia será “uma doença da alma” que vai se expandir rapidamente?
5. Como promover para moradores da zona urbana encontros com/na natureza que proporcionam “consolação” para a alma?
[1] O tema deste texto “Sobre a natureza como fonte importante de consolação” trata apenas um aspecto de um artigo mais amplo: “Precisamos de consolação. O que significa isso num mundo ferido?” O artigo foi escrito no contexto do início do conflito violento no Oriente Médio (Israel-Gaza). – Fonte: Revista alemã PUBLIK-FORUM, n. 20/2023 (20/10/2023), p. 13-15. Escritor: Jean-Pierre Wils, filósofo da Universidade de Nijmegen/Holanda. – Tradução e fotografias: Johannes Gierse.
[2] O termo antropoceno denomina uma nova época geocronológica: a era em que o ser humano se torna um dos fatores principais dos processos biológicos, geológicos e atmosféricos na terra.
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