PEREGRINOS DE ESPERANÇA: CEBs = IGREJA EM SÁIDA E SINODAL! Por: Emerson Esbaldelloti

 


Começo esta reflexão lembrando um cântico das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs1 , que está em sintonia com o Jubileu 2025 e nos convoca ao compromisso de defender todas as vidas e esperançar a libertação: PEREGRINO2 (Frei Domingos dos Santos, OP – Frei Mingas)

1. Peregrino nas estradas de um mundo desigual Espoliado pelo lucro e ambição do capital Do poder do latifúndio, enxotado e sem lugar Já não sei pra onde andar Na esperança eu me apego ao mutirão

2. 2. Quero entoar um canto novo de alegria Ao raiar daquele dia de chegada em nosso chão Com meu povo celebrar a alvorada Minha gente libertada lutar não foi em vão

3. 3. Sei que Deus nunca esqueceu dos oprimidos o clamor E Jesus se fez do pobre companheiro e servidor Os profetas não se calam denunciando a opressão Pois a terra é dos irmãos E na mesa igual partilha tem que haver

4. 4. Pela força do amor, o universo tem carinho E o clarão de suas estrelas iluminam o caminho Nas torrentes da justiça meu trabalho é comunhão Arrozais florescerão De seus frutos liberdade colherei

Para Faustino Teixeira “As comunidades imitam de perto a comunidade dos primeiros cristãos na alegria, na partilha, no serviço. Como eles, são ‘assíduas ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e à oração’ (At 2,42).



Renovam a Igreja pela base e são um sinal do reino para nós, povo empobrecido da América Latina” (TEIXEIRA, 1996, p. 196). As CEBs bebem do mesmo poço do Concílio Ecumênico Vaticano II (Roma, 1962-1965) e aqui, na América Latina e no Caribe ganham importância nas Conferências de Medellín (Colômbia, 1968) e Puebla (México, 1979).

Em 2007, recebem um novo ânimo na Conferência de Aparecida.


A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) dedicará às CEBs dois documentos: o primeiro, de 1982, explicando a eclesialidade das CEBs, sua dimensão sociopolítica de evangelização, a luta pela justiça, a importância dos(as) leigos(as) e porque são alvo de interesse e de incompreensão; o segundo, de 2010, reafirma e atualiza o documento de 1982 e aponta os desafios das CEBs hoje, seu percurso histórico no Brasil, a experiência dos Intereclesiais, a espiritualidade e a vivência eucarística, o anúncio da Palavra de Deus, a solidariedade e o serviço, a participação nos movimentos sociais, sua abertura ecumênica e o diálogo inter-religioso.


Em 1982, os bispos diziam que as CEBs não surgiram como produto de geração espontânea nem como fruto de mera decisão pastoral. Elas são o resultado da convergência de descobertas e conversões pastorais que implicam toda a Igreja – povo de Deus, pastores e fiéis –, na qual o Espírito opera sem cessar.

m 2010, irão dizer que as CEBs representam uma maneira de ser Igreja, de ser comunidade, de fraternidade inspirada na mais legítima e antiga tradição eclesial. Teologicamente, são uma experiência eclesial amadurecida, uma ação do Espírito Santo no horizonte das urgências de nosso tempo.


Uma destas urgências é o desafio de viver a espiritualidade no seguimento de Jesus de Nazaré e de proclamar a fé, sem deixar cair a profecia no mundo urbano. A caminhada das CEBs no Brasil rumo a uma experiência profunda (ontem, hoje e amanhã) do projeto de Deus e na defesa da vida teve, tem e terá momentos importantes:

1) A noção de Povo de Deus;

2) A opção pelos pobres;

3) A consolidação e refundação do método Ver-Julgar-Agir, hoje acrescido do Rever-Celebrar-Sonhar;

4) O método Paulo Freire;

5) A espiritualidade da libertação;

6). A leitura popular da Bíblia;

7) A Teologia da Libertação (TdL);

8) Os/As leigos/as assumindo um lugar de destaque nesta nova forma de ser Igreja, principalmente as juventudes;

9) Igreja dos pobres, em saída e sinodal;

10) A profecia.

Estes momentos permitem que as CEBs sejam um sinal de vitalidade da Igreja e se refundem com o passar dos anos, aumentando as relações de reciprocidade e promovendo a solidariedade, que são a verdadeira força dos pobres e dos pequeninos.


Padre Benedito Ferraro afirma que “não encontramos, de forma explícita, a expressão “comunidades eclesiais de base” nos textos do Vaticano II.


No entanto, poderemos encontrar muitos textos que manifestam o que as CEBs já vinham vivenciando no Brasil e em vários países da América Latina e Caribe.


No Brasil, as CEBs nascem por volta do final da década de 1950 e início da década de 1960. Fazem a ligação da fé com a vida e, a partir da articulação da Palavra de Deus com a ação social e política em busca da justiça, vai surgindo “um novo modo de ser Igreja”.


As CEBs nascem antes do Concílio, mas recebem um impulso maior a partir do Vaticano II e das Conferências do Episcopado Latino­americano e Caribenho, sobretudo de Medellín (1968) e Puebla (1979).


Atualmente, elas recebem um ânimo novo a partir da Conferência de Aparecida (2007), como também no ministério do Papa Francisco, especialmente com sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2013), em que ele afirma: “Desejo uma Igreja pobre para os pobres” (EG 198).


As CEBs assumem que os pobres são hoje os novos sujeitos históricos e os novos sujeitos eclesiais” (FERRARO, 2015, p. 91-95). CEBs não são “pastorais” e muito menos um “movimento”.

Não são apenas momentos em grupo, em equipes de serviço ou ajuntamentos frequentes dos fiéis. Não são seitas fechadas no seio da Igreja. Elas brotaram no cenário eclesial brasileiro como uma pequena flor sem defesa.


Elas são um processo de grande significação que incidiu e continua incidindo profundamente sobre as estruturas da sociedade e também da Igreja, mesmo não estando mais na mídia.


Esse novo modo de a Igreja ser incomodou tanto, que, a partir da década de 1990, tanto as CEBs quanto a TdL foram arrastadas para fora dos holofotes, para fora da publicidade e para fora dos debates, pois não se alinhava e não se alinha ao pensamento neoliberal, fundamentalista e de cristandade medieval que impera em setores mais reacionários da Igreja, os quais declaram que elas são invisíveis, inexistentes e que a TdL morreu, considerando-as como coisa do passado.

A CNBB afirma que “as comunidades eclesiais de base constituem hoje, em nosso país, uma realidade que expressa um dos traços mais dinâmicos da vida da Igreja.


Em sua caminhada, a fidelidade das CEBs é constantemente posta à prova em nossa sociedade cada vez mais pluralista e profundamente marcada por conflitos.


A urgência de certos problemas vitais e a tentação de soluções simplistas representam riscos aos quais as comunidades devem estar atentas” (CNBB, 1999, p. 5.17.). Para Benedito Ferraro e Nelito Dornelas6: “As CEBs são fundamentalmente estruturas de Igreja, uma forma de organizar a Igreja.

las são caracterizadas por alguns elementos estruturais: pelos círculos bíblicos ou grupos de reflexão bíblica, a partir do método da leitura popular da Bíblia; pela celebração semanal – celebração da Palavra (com distribuição da eucaristia), por pura falta de sacerdotes, dirigida por uma equipe de liturgia; pelos conselhos pastorais comunitários nos quais mulheres e homens, em forma colegiada, assumem a animação e a condução da CEB, estando todas as equipes de serviço e pastorais ali representadas; pelo compromisso sociotransformador, mediante o qual a fé é confrontada com os desafios da realidade em que as CEBs estão inseridas.


Transpassando estes elementos estruturais, encontram-se a mística, a espiritualidade libertadora, centradas nas causas do reino de Deus, na opção pelos pobres e em sua dimensão profética” (FERRARO & DORNELAS, 2014, p. 122-124).

Posso estar sendo um sonhador, um utópico, mas, de esperança em esperança, prefiro acreditar que o futuro da Igreja seja vislumbrado como CEBs, e delas surja uma rede de comunidades comprometidas com a defesa da vida no mundo urbano.


Ao invés da forma autoritária de exercer e impor o poder, a forma plena de autoridade que cresce e faz o outro crescer.


Quanto mais a Igreja construir-se a partir das CEBs e de sua identidade, de suas características fundadoras, mais ela se fortalecerá diante de uma sociedade cada dia mais doente, por cada dia estar mais individualista, egoísta, fanática, fundamentalista, solitária e desprovida de sentido para viver.

Desde seu surgimento, as CEBs são comunidades de discípulas e discípulos de Jesus de Nazaré, são comunidades em saída, missionárias, samaritanas, servidoras e proféticas.


A relação entre fé e vida, experimentada a partir das periferias sociais e existenciais, revela o papel decisivo que essas comunidades desempenham na construção de uma sociedade mais justa e fraterna, de um outro mundo, novo, possível e melhor. Uma Igreja que não é sinodal não faz parte da herança de Jesus de Nazaré!


Uma Igreja que não está em saída para as periferias não consegue modificar suas estruturas. Uma Igreja que não se deixa conduzir pelo Espírito libertador de Jesus de Nazaré está fadada a desaparecer.

A sinodalidade das CEBs está na sua origem: elas caminham juntas, elas estão sempre juntas, e por isso vivem uma das mais fortes características da Igreja: a comunhão!



As CEBs estão mais vivas do que nunca e prontas para encarar inúmeros desafios, sem deixar cair a profecia, num mundo em que cresce o individualismo, o fundamentalismo religioso, o racismo e inúmeras práticas de violência.


Pegam o trem da história e, por onde passam, semeiam paz, justiça, amor e fraternidade. São chamadas a testemunhar a sua fé em Jesus de Nazaré o Crucificado Ressuscitado, o Mártir primeiro.


E cumprem o que lhes pede o papa Francisco: “Não deixemos que nos roubem a comunidade!” (EG 92). Amém. Axé. Awirê, Aleluia!

*Emerson Sbardelotti Doutor em Teologia pela PUC-SP. É agente de Pastoral Leigo e Ministro da Palavra na Paróquia Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Cobilândia, Vila Velha, Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo.

Membro da Equipe de Formação do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – Espírito Santo. Membro da Executiva do Movimento Nacional Fé e Política – Espírito Santo. Membro da Comissão de Formação do Conselho Nacional do Laicato do Brasil – Regional Leste 3 – Espírito Santo.

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